O Voo do Iludido

Segundo a mitologia grega, por motivo de traição, Minos teria aprisionado Dédalo e seu filho, Ícaro, no labirinto de Creta. Sabendo que Dédalo era o arquiteto da própria prisão, ordenou que entrada e saída fossem vigiadas por guardas. Dédalo, grande engenheiro que era, construiu dois pares de asas a partir de penas e cera para que ele e seu filho pudessem fugir voando. Ambos conseguem escapar do labirinto. Dédalo alerta Ícaro para que não chegue muito próximo do sol, mas Ícaro, sonhador, se deixa dominar pela beleza e liberdade. Pelo desejo de voar cada vez mais alto. Ele desobedece o pai e sobe até o ponto em que a cera que prendia suas asas derrete com o calor do sol. Ele então cai e morre nas profundezas do mar Egeu.

O vôo de Ícaro

O mito é bastante popular e muitos tiram a lição de que não devemos sonhar alto demais nem questionar autoridade. Que não podemos ser melhores do que realmente somos. Tentar superar nossas capacidades pode ser doloroso. Até mesmo mortal.

Acontece que existe uma parte da lenda que quase sempre é deixada de lado. Dédalo alerta Ícaro a não voar tão próximo do sol, pois o calor derreteria a cera, mas também não deveria voar tão baixo, pois a umidade do mar poderia deixar as penas pesadas demais, impossibilitando-o de voar.

Seth Godin, em seu livro “A Ilusão de Ícaro“, afirma que a sociedade mudou o mito, nos fazendo esquecer a parte do mar. Tornou a arrogância um pecado muito maior que contentar-se com pouco. Nos moldou para estabelecermos nossa zona de conforto com base na submissão e segurança, chegando perto das ondas.

O problema de voar baixo é que parece mais seguro. Nossos sonhos e expectativas são muito pequenos e acabamos por nos contentar com menos do que somos capazes. Isso decepciona não só a nós mesmos como também às pessoas ao nosso redor. O medo do erro, do fracasso e da derrota nos impede de correr os  riscos de brilhar.

Para Godin, a solução não é a imprudência nem a obediência negligente. Para ele, o caminho é “tornar-se humano, criar arte e voar muito mais além do que aprendemos que seria possível.”

Arte não no sentido de algo que se compra para pendurar na parede ou enfeitar a estante,  mas como algo que reflete o artista. Como escreve Godin, “É o que fazemos quando nos sentimos realmente vivos”. Fazer arte é correr riscos. Não necessariamente o financeiro, mas principalmente o de rejeição. É transformar o mundo, mesmo que em menor escala. É buscar conexões, pois a arte não compartilhada é inútil.

A originalidade é um componente da arte, mas não precisamos necessariamente criar algo totalmente revolucionário para sermos originais. Segundo Erik Brynjolfsson em sua apresentação “A chave para o crescimento? A Corrida com as máquinas” (The key to growth? Race with the machines) no TED, cada inovação que surge cria sustentações para mais inovações. Podemos tomar como exemplo os aplicativos de Facebook. São criados em cima do Facebook, que por sua vez foi criado em cima da WEB, que foi criada em cima da Internet. Estamos no que Erik chama de The New Machine Age ou Nova Era das Máquinas, muito mais voltada à criação de conhecimento que produção física. Esse conhecimento nos permite criar novas formas de interagir com o mundo e com as outras pessoas. Ideias constroem ideias. Arte que gera mais arte.

Issac Newton disse certa vez: “Se vi mais longe foi por estar de pé sobre ombros de gigantes”. Para ele, suas conquistas só foram possíveis devido descobertas feitas anteriormente por outras pessoas. Uma prova de humildade de uma das maiores mentes que já existiu. Um homem que transformou o mundo e se agigantou. Newton foi um verdadeiro artista.

Shoulders-of-GiantsNão precisamos reinventar a roda a todo instante. Mesmo pequenas mudanças que provocamos no nosso mundo, seja no trabalho ou no nosso convívio social, são expressões artísticas. Sabe aquela ideia que você achou boba? Vai que alguém precisa dessa bobagem e você perdeu a chance de criar essa conexão. Será que ela era mesmo inútil ou o medo fez com que você não arriscasse?

O artista deve ser cuidadoso. Deve saber quando fará algo que pode dar errado. Isso não impede que ele arrisque, mas exige que fundamente suas ações e controle os riscos. Devemos ser prudentes, mas a prudência não pode podar nossos desejos de ultrapassar limites.

Deixe que os gigantes te carreguem. Quando “sentir firmeza”, voe com as próprias asas.

Quem sabe até mais alto que o sol.

O Voo do Iludido

3 comentários sobre “O Voo do Iludido

  1. Manoel Jr. disse:

    Show!. Tomas Edison disse: “De fato, não fracassei ao tentar, cerca de 10.000 vezes, desenvolver um acumulador. Simplesmente, encontrei 10.000 maneiras que não funcionam”. É não desistir até encontrar a maneira correta.

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